Fundamentação Teórica Processual Aplicada à Prática Forense
- José Bentivi
- 31 de jul.
- 3 min de leitura
Na advocacia forense, “saber o Direito” não basta, é preciso “dominar o processo”. Falhas técnicas (petições mal fundamentadas, prazos perdidos, nulidades) ocorrem muito mais frequentemente do que equívocos de mérito. Uma sólida base teórica em institutos processuais (ônus da prova, tipos de procedimento, técnicas de impugnação, fases recursais) alia-se à experiência prática para elevar a performance do “dia a dia” no tribunal.

1. Ônus da prova: quem deve provar o quê
• Princípio geral (CPC, art. 373): “Quem alega deve provar”.
• Inversão legal (CDC, art. 6º, VIII) ou judicial (CPC, art. 373, § 1º): quando o autor demonstra hipossuficiência, o juiz pode deslocar o ônus da prova.
• No Processo Penal (CPP, arts. 155-156): cabe ao Ministério Público provar a materialidade e a autoria; o réu prova fatos impeditivos, excludentes ou atenuantes (CPP, art. 396-A, II).
Exemplo prático:
Em ação de indenização por erro médico, o paciente (autor) comprova o dano e o nexo causal com laudo inicial. Se demonstrar ignorância técnica, obtém inversão de ônus (CPC, art. 373, § 1º) para que o hospital traga prontuários e protocolos internos.
2. Tipos de procedimento e escolha estratégica
• Rito Ordinário (CPC, arts. 318-331): permite ampla instrução, múltiplas testemunhas e perícias complexas – ideal em causas de alta complexidade fática.
• Rito Sumaríssimo (Lei 9.099/95): limite de duas testemunhas por parte, sem perícia judicial, prazo reduzido para sentença em 10 dias; indicado para causas de menor valor até 40 salários-mínimos.
• Procedimento Penal Especial (JECrim, Lei 9.099/95) e Juizado Criminal (Lei 11.719/08): informalidade, prova concentrada na audiência, sem dilação probatória.
Erro comum: submeter ação complexa a rito sumaríssimo e depois reclamar da limitação de testemunhas. A escolha do procedimento deve considerar a profundidade probatória necessária.

3. Técnicas de impugnação e prevenção de nulidades
• Preliminares processuais (incompetência, litispendência, coisa julgada, ilegitimidade – CPP, art. 95): argua-las ainda na defesa preliminar ou na contestação (arts. 396 e 396-A CPP).
• Contestação bem estruturada (CPC, art. 335): rebata ponto a ponto “causa de pedir” e pleiteie provas necessárias na fase instrutória.
• Conferência de requisitos formais (CPC, art. 319): ausência de valor da causa, pedido genérico ou falta de fundamentação jurídica leva a indeferimento liminar (art. 330).
• Auditar citações e intimações (CPC, arts. 238 e 256): citações nulas contaminam todo o processo e permitem anular atos posteriores.
• Check-list de prazos e petições (uso de software ou planilha): reduz risco de preclusão e perda de oportunidade recursal.
4. Fases recursais: do apelo à instância superior
• Apelação (CPC, arts. 1.009-1.014): analisa matéria de fato e de direito; cuidado com o art. 1.012 (reformatio in pejus).
• Agravo de instrumento (CPC, art. 1.015) e agravo interno (art. 1.021): atue rápido contra decisões interlocutórias que prejudiquem o prosseguimento do processo.
• Recurso Especial e Extraordinário (CPC, arts. 1.029-1.041): estrito objeto – violação literal de lei federal (REsp) ou ofensa à Constituição (RExt); preparar “tese-base” focada em dispositivo legal e súmula ou precedentes do STJ/STF.
• Embargos de declaração (CPC, art. 1.022): corrijam omissão, contradição ou obscuridade para evitar “decisão-surpresa” nos tribunais superiores.
5. Exemplos reais de falhas técnicas
– Perda de prazo no agravo de instrumento e consequente “trancamento” de diligência essencial (CPC, art. 1.018);
– Contestação que não impugna fato relevante da petição inicial, permitindo ao autor requerer antecipação de tutela por ausência de resistência (CPC, art. 341);
– Petição de embargos de declaração ao STF apontando “ofensa genérica” à Constituição, sem citar artigo nem precedente, resultando em não conhecimento.
6. Conclusão
A rotina forense exige mais do que “bom Direito” – exige “bom processo”. Advogar com segurança processual é tão essencial quanto dominar a matéria de mérito. A combinação de estudo teórico aprofundado (CPC, CPP, súmulas e doutrina) e constante prática simulada (check-lists, rascunhos, moot courts) reduz drasticamente as falhas técnicas que comprometem resultados. Em última análise, fortalecer a fundamentação processual é garantir que a “voz do cliente” seja ouvida e efetivada, sem ruídos, no Judiciário.
Referências principais
• CPC (Lei 13.105/2015), arts. 319, 330, 335, 341, 357, 373, 1.009-1.041
• CPP (Decreto‐Lei 3.689/1941), arts. 95, 155-156, 395-396-396-A, 413-414
• Lei 9.099/95 (Juizados Especiais Cível e Criminal)
• CDC (Lei 8.078/1990), art. 6º, VIII
• STJ, Súmula 338 (trabalho) e Súmulas 7, 362, 54 (reparação de danos)
• Aury Lopes Jr., Manual de Direito Processual Civil (Forense, 2024)
• Eduardo Tomasevicius Filho, Curso de Direito Processual Penal (Forense, 2023)

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